Por um bom tempo, meu lazer em São Paulo se restringia apenas a programações gratuitas ou a preços simbólicos. Mesmo quando morei próximo ao primeiro shopping da zona norte, onde meus colegas de escola iam assistir blockbusters quando matavam aula, esse não era um programa acessível para mim.
Em algum dia da década de 90, eu conheci o Centro Cultural São Paulo e fiquei encantada com tudo. Eu só não frequentava mais, porquê muitas vezes eu não tinha nem o dinheiro da condução. Quando conseguia ir, passava o dia todo. Sentada na discoteca Oneyda Alvarenga ouvindo música, pesquisando na biblioteca, estudando nas mesinhas do entorno, admirando aquela arquitetura que em nada lembrava os anões de jardim e o cinza das fábricas da Vila Guilherme. O teatro e os shows, mesmo que a preços módicos, nem sempre estiveram ao meu alcance.
Mas o que eu mais gostava - e continuei frequentando mesmo quando tinha dinheiro pra ir onde quisesse - era da sala de cinema. Assisti a muitas mostras de cinema argentino, italiano, francês e várias outras, de graça naquela sala modesta. Há muito tempo atrás, sempre tinha uns moradores de rua que aproveitavam a sala no calor, por causa do ar condicionado. A melhor época de programação pra mim, foi quando a Marilena Chauí era secretária de cultura. Calil também deixou saudades.
Lembro de ter ido mais ou menos por essa época, assistir alguns filmes no Museu Lasar Segall. A Pequena Loja da Rua Principal e Um Dia, Um Gato me marcaram. Tive a impressão de que a sala fechou por um bom tempo e só voltou com a programação bem depois, após passar por uma reforma. Mas não tenho certeza se realmente ficou fechada.
Quando comecei a ter dinheiro para ir onde bem entendesse, eu só queria saber de programação de cineclubes e alguns bons cinemas de rua, que ainda existiam. A programação mais comercial, nunca chegou a me atrair. Eu já tinha formado meu repertório nas salinhas espalhadas pela cidade e não abria mão de filmes de qualidade. A princípio, não se tratava de uma escolha e sim de algo involuntário, pois os cineclubes eram um dos poucos lugares que eu conseguia ir.
Nessa busca por programações especiais na cidade, conheci vários outros espaços. O Elétrico Cineclube ficava na Augusta, perto da Paulista, no sentido centro. Se não me engano, funcionava onde mais tarde seria um espaço que teve vários nomes de banco diferentes e hoje, acho que atende pelo nome de Espaço Itaú de Cinema. Já tendo sido HSBC (confere?) e Espaço Unibanco de Cinema.
Continuando pela Augusta, sentido Jardins, numa galeria na altura do número 2500, tinha o Vitrine. Era outro lugar que eu adorava e fechou. Não sei o que ficou em seu lugar. Assisti muitos filmes da Mostra por lá, mas o que vem na minha lembrança é o Livro de Cabeceira, do Peter Greenaway.
Não falarei sobre o Cinesesc nem sobre a Cinemateca, pois são lugares que merecem textos à parte. Principalmente a segunda, onde inclusive, fiz trabalho voluntário. Outro caso isolado, é o Cinema do MAM, que não sei se ainda existe. Tenho o cotovelo esquerdo torto, em função de um acidente tentando chegar lá para um filme que até hoje nunca vi. Isso também é outra estória.
Outro cineclube que doeu quando fechou as portas pra virar, acho que um estacionamento, foi o Veneza, no comecinho da Rua Treze de Maio, no Bixiga. Houve um tempo em que ele tinha uma programação onde passava um filme em cada sessão, aos finais de semana. Eu era tão dura e tão apaixonada por cinema, que quando o filme acabava mas antes de acender a luz, quando estavam subindo os créditos, eu corria pra me esconder no banheiro, que ficava dentro da sala. De lá eu só saía quando estava tudo escuro de novo, pra assistir ao outro filme. Eu assistia três filmes num único dia, recorrendo a esse expediente e pagando só uma entrada.
Tenho uma lembrança muito boa, de quando eu tive que fazer uma cirurgia no queixo e fiquei imobilizada por meses e o meu pai chamou um taxi e assistimos juntos a um filme que estava passando no Veneza. Depois, fomos andando até a Praça Dom Orione, conversamos um pouco - eu na verdade, balbuciava porquê estava com a mandíbula imobilizada - e voltamos pra casa, na Vila Guilherme. Não lembro qual foi o filme. Outra ocasião que iria ao cinema com meu pai, foi para assistir A Flor do Meu Segredo, do Almodóvar, que ele gostou muito. Não sei o por que de não ter ido mais vezes ao cinema com ele. A bem da verdade, tínhamos uma incompatibilidade muito grande e mesmo convivendo por muitos anos, sempre fomos uma caixa preta um pro outro.
O Bijou e o Oscarito, um ao lado do outro e minúsculos. Eu adorava os dois. Ficavam na Praça Roosevelt. Frequentei muito, tanto quando era dura, na década de 90, quanto mais tarde, quando chegava lá em meu próprio carro. Muito me admira, certas pessoas ligadas a um teatro supostamente maldito e revolucionário, que ficam até hoje bradando aos quatro cantos que "revitalizaram" a Praça Roosevelt. Como se fosse um lugar altamente perigoso, como se estivessem falando de uma quebrada, o mesmo lugar que eu frequentava a pé e sozinha, altas horas da noite, pra ir aos meus cineclubes favoritos. Esse povo, que chegou depois, não revitalizou nada, mas apenas trouxe a reboque uma gentrificação do espaço. Saudades de quando eu era adolescente e encontrava Plínio Marcos vestido feito um mendigo, com seus livros debaixo do braço, na Praça da Sé. Esse sim, um maldito de verdade. O resto, prefiro nem me alongar.
Dos bons cinemas de rua, lembro de ter assistido a um filme da Mostra Internacional de Cinema, na década de 90, em um suntuoso cinema da região da Ipiranga com a São João. Não lembro o nome e com certeza, está desativado. Lembro que tinha cortinas de veludo, dois andares dentro da sala de exibição, um hall enorme e muito mármore.
Tinha o cine Paramount, no comecinho da Brigadeiro Luís Antônio, também no Bixiga. Frequentei algumas vezes. Lembro de ter assistido Ligações Perigosas. Foi desativado e virou sei lá o que. Às vezes, é melhor nem saber mesmo.
No Top Cine, na Paulista, eu também batia cartão. Assisti muitas mostras do Truffaut e do Godard por lá. O pessoal que vendia pipoca já me conhecia pelo nome. Eu ficava tão à vontade, que já cheguei a ir durante a semana assistir filmes de chinelo, com roupa de ficar em casa mesmo. Pra mim, não tinha muita diferença, me sentia em casa. Eu sempre preferi assistir filmes durante a semana, por ser mais vazio. Aos fins de semana, só ia quando estava namorando.
O Gemini, na Paulista, eu achava tão maravilhoso, que fiz um texto em sua homenagem no outro blog que tive, há uns quinze anos atrás. Por uma trapalhada qualquer, perdi meu blog no buraco negro da internet. Nunca mais consegui acessar, mas ao tentar criar um perfil para este blog, automaticamente veio meu perfil antigo, Madame. Sigo sem conseguir acessar o outro blog e minha declaração de amor para o cinema de rua mais charmoso, eu perdi.
Imagem: Instagram da autora.